terça-feira, 18 de novembro de 2008

Raicai

Cinco sílabas
E também outras sete
Cinco de novo

domingo, 16 de novembro de 2008

Auto-Estima

Cansado da putaria, Deus desce e diz:
"Eu não existo, pelo amor de deus!", e disse em minúscula mesmo.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Não adianta consertar o buraco


Às seis da manhã é impossível permanecer sóbrio - sua mente o entorpece e você toma as decisões mais importantes da sua vida, enquanto do seu lado uma pirralha canta Jonas Brothers

ou qualquer lixo que tocar na rádio

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O surreal tem limites que a realidade ignora

Era cedo de manhã quando, num dia comum, Jarbas subia um lance de escadas. Foi então que escutou um guincho e barulhos estranhos feitos com a boca. Não mais que de repente, dois de seus amigos aterrissaram em sua frente com um pulo, descendo as escadas pulando cinco degraus de uma vez e fazendo barulho enquanto pulavam esquizofrenicamente. Jarbas olhou para um deles, cujos cabelos se irradiavam caoticamente para todos os lados e que tinha uma corda amarrada no pulso direito. No mesmo braço alguma coisa lhe chamou a atenção. Jarbas pegou seu braço direito e leu o que estava escrito com grandes letras azuis em pincel atômico: HEXÁGONO.
Jarbas continuou a subir as escadas. Não era mais um dia comum.

Non sequitur

Assisto de longe enquanto diante dos meus olhos passa uma procissão de personagens que parecem vindos de um desenho animado – uma espiral de cores dá lugar a uma flor diante de uma árvore, da qual sai correndo um coelho branco, que foge de algo desconhecido, e corre pela floresta, corre pelas árvores, passa por ursos e outros animais, pula um lago e esbarra numa árvore onde se encontra um macaco. Da árvore cai uma colméia que o macaco não hesita em comer. O próprio Zé Colméia se junta ao conjunto. De repente estamos num quarto, discutindo qualquer coisa que eu não sei; nunca tinha visto aquele quarto antes: era um vão entre duas estantes de alumínio cheias de livros. Asdrúbal diz alguma coisa interessante e nós saímos de lá. De repente é tarde da noite, um povo que nunca vi discute algo sério, e a noite passa rapidamente. “Já amanheceu?”, pergunto. Lá fora o sol subia no céu rapidamente, e jogava uma luz brilhante no céu, em parte azul e em partes ainda negro como a noite. Em algum lugar alguém aperta um interruptor invisível, e todo o lento alvorecer subitamente vira noite profunda, junto com o clique do interruptor. Olho maravilhado pela janela admirando a esquizofrenia da natureza.

domingo, 9 de novembro de 2008

Subconsciente (fragmentos de sonhos)

Enquanto eu alegremente dormia em minha cama, lembrei que queria baixar Orquestra Imperial. Me estiquei até alcançar o ventilador e, na chavinha da velocidade, abri o Soulseek. Search files – Orquestra Imperial. Mas não aparecia, abria só uma página de texto mostrando a discografia. Desliguei o ventilador e voltei a dormir.


***


Andava alegremente na rua quando encontro Romualdo, com um microponto. Pego o microponto, abro a parte da bateria do celular, expondo os pequenos pulmões do aparelho – entre os quais botei o microponto. Romualdo diz “Não, tem que tomar agora,” e estende um copo com um restinho de suco aurora pra ajudar a tomar, como se precisasse. Mas não adiantou, porque comecei a mastigar o doce com gosto de jujuba, e não engoli, só depois de uns dois minutos mastigando, mas não acho que era pra mastigar. Em seguida subi no ônibus com um monte de gente e todo mundo começou a cantar, alguém tinha um violão que eu pedi emprestado mas devolvi depois de tocar um acorde de sétima repetidamente. Na parada do mercado de artesanato subiu um povo estranho com cara de que ia assaltar a gente, mas só olharam, e fui na livraria procurar alguma coisa interessante pra comprar, e me deparo com uma velha edição do Lôbo do Mar, e umas revistas de Asterix, mas minha mãe diz que não, que ia comprar depois que fosse na loja ao lado que eu não sei o que vendia. Voltando para casa ao entardecer aquele povo estranho me segue para me assaltar, corro e chego em casa, temendo que tivesse entrado pela janela da cozinha. Para meu alívio encontro apenas um cachorro passando por debaixo da porta.


***


Em frente ao palco estendo algumas pílulas para um inocente rapazinho dizendo “Quando você começar a ver linhas, ta beleza,” e eu e um grande grupo caminhávamos no meio da noite quando se aproxima um enorme furgão da polícia, que perguntou em tom ameaçador se eu estava vendo linhas. Menti que não.

Um Bilhete

Voltava apressado para casa, correndo no meio da rua como se fosse tirar o pai da forca – aliás, estava indo tirar o pai da forca. Recebera um telefonema do pai enquanto estava no trabalho.
“Vou me matar”
Não questionou motivos – não tinha tempo – nem parou pra se perguntar se era verdade – vai que era – simplesmente pulou da cadeira chutou tudo no caminho e começou a correr para tirar o pai da forca. Seu pai tinha uma predileção por forcas. Em jantares em família sempre comentava alegremente que se fosse se matar se enforcaria; dizia que um suicídio por enforcamento era uma obra de arte: não só você tinha um método eficaz de cessar a atividade cerebral como ainda tinha toda aquela coisa do impacto visual: chegar em casa e ver o cadáver de um parente se balançando na penumbra inerte com os olhos arregalados. Ninguém precisa de Goya com um enforcado por perto. “Se parente meu se enforcasse” ele dizia “eu deixava o cadáver lá, pincelava formol e passava bom-ar todo dia de manhã”.
Ele se imaginou fazendo tudo isso enquanto corria pela avenida, e começou a pensar se seu pai combinava com um quadro que tinha na sala, e que se ele tivesse se enforcado no quarto ia ter que mudar ele de lugar. Depois se lembrou que ia tirar o pai da forca, não decorar a casa.
Chegando lá seu pai tinha se enforcado (no quarto), e preso em suas mãos no seu rigor mortis estava um bilhete. O bilhete, escrito com o próprio sangue do pai, dizia, em letras grandes:

BOINA

“Porréisso, taquepariu”, pensou. Seu pai nunca usou uma (pelo menos não que ele lembrasse), nem teve uma em casa, nem nunca falou sobre elas, e sempre preferiu cartolas. O que era meio ridículo. Leu de novo.

BOINA

Intrigado, saiu para passear num parque ali perto. O que aquela palavra queria dizer? Por que seu último pensamento antes de se tornar uma obra de arte foi o de uma peça de vestuário? Por que ele se matou? Ontem mesmo ele estava tão feliz conversando sobre o novo cilindro de cera da orquestra de jazz de Harry Raderman. Talvez ele não tenha gostado. Ou talvez o cilindro tenha derretido. Talvez a orquestra não tenha um trombonista – instrumento preferido de seu pai. Pensou em tudo isso, mas não chegou a um consenso, não chegou a se conformar, não chegou a compreender, não conseguiu parar de repassar mentalmente o bilhete com o último pensamento de seu pai.

BOINA

Então compreendeu. Foi à Riachuelo, comprou uma boina e colocou-a na cabeça do pai morto, mudou o corpo do quarto para a sala e a obra de arte estava completa, finalizada com o acessório no alto de sua cabeça pálida. Constatou alegremente que combinava com o quadro.

sábado, 8 de novembro de 2008

Todos os olhos

Acordou-se numa bela manhã de domingo e quando olhou pela janela viu um enorme machado de pedra, de pelo menos dez metros de altura, fincado no chão bem em frente à sua casa. Morava com os pais, e foi para a cozinha onde eles tomavam café.

“O que é aquilo?”


“Aquilo o quê?”


“Aquele machado lá fora”

“O que tem ele?”

“O que é ele?”

Sua mãe fez uma cara de preocupada.

“O que você quer saber exatamente?”

“O que aquela coisa está fazendo ali!”

“Sempre esteve ali. Querido, você está bem?”

Decidiu que era melhor deixar pra lá, e continuou o dia normalmente.

Acordou no outro dia com um barulho alto e forte. Vários barulhos altos e fortes depois, ele se levantou e foi para a cozinha. Lá encontrou seus pais na mesa com panquecas em cima de tábuas de carne. Estavam usando machados para cortar pedaços da panqueca, como se fosse um talher, e levavam os pedaços à boca com as mãos. Era um processo barulhento.

“O que é isso?”

“Isso o quê?”

“Que vocês estão fazendo?”

“Tomando café – fiz panquecas, quer uma? Pegue um machado, acabei de lavar”

Decidiu que era melhor deixar pra lá, e continuou o dia meio desconfiado.

Dormiu mal e acordou mal. Quando se decidiu por abrir os olhos, viu um grande olho olhando para ele – e não conteve um grito. O teto agora tinha um olho. Não um olho pintado, nem esculpido. Um verdadeiro grande olho, com veias, dutos lacrimais, pupilas, córneas e uma pálpebra, que piscou. Olhava fixamente para ele. Levantou-se e viu que na ponta da maçaneta da porta havia outro pequeno olho, e aos poucos notou que quase tudo no seu quarto tinha um olho que o observava. Enquanto o criado-mudo o seguia com o olhar, foi para a cozinha. Àquela altura ele não sabia se devia se surpreender ao ver que seus pais não tinham olhos. Olharam para ele, ou pelo menos essa era a impressão.

“Meu filho, o que é isso na sua cara?”

“O quê?”

“Tem duas coisinhas aqui, espera” pegou um lenço e esfregou os olhos do filho. “Não quer sair”

“Mãe, meus olhos!”

“Seus o quê? Meu filho, você está bem? Eu e seu pai estamos preocupados com você, você tem se comportado estranhamente nos últimos dias”

“Não tenho nada”

Quando olhou pela janela na manhã seguinte, sob o olhar vigilante do gigantesco machado, viu que o céu estava verde-limão. Antes que pudesse se espantar, sua mãe apareceu do outro lado da janela, pulando e rindo histericamente, brandindo um machado e com pedaços de panqueca mal mastigada escorrendo da boca. Pouco depois seu pai se juntou à coisa que estava acontecendo, o que quer que fosse, e em cinco minutos ele viu cinco mães suas e quatro pessoas iguais ao seu pai dançando numa espécie de ciranda no jardim, em frente ao machado, brandindo machados, enquanto saboreavam os olhos das panquecas, que davam seus últimos suspiros olhando tristemente para o céu, agora laranja.

Teve medo. Não tinha medo de esculturas inesperadas ou de gente sem olhos, mas sentiu quase um pânico por aquilo que não conseguia explicar. Qualquer coisa que ele tentasse pensar não fazia o menor sentido; perguntou-se se as coisas que ele achava que sabia não teriam mudado também, se ele realmente sabia alguma coisa ou se tudo não era simplesmente uma alucinação; estava num estado em que não sabia se estava louco ou se era louco antes e agora estava aos poucos vendo a realidade. Isso tudo o fez ter medo. Foi na cozinha, pegou um machado meio cego – em qual sentido? – destruiu tudo, matou seus nove pais e partiu sua própria cabeça em dois. O sangue que jorrou era roxo.