sábado, 8 de agosto de 2009

Ensaio sobre As Portas da Percepção

Aula de química sobre reações orgânicas, uma folha em branco na carteira e nenhuma inspiração: são esses os reagentes. O produto são mols e mais mols de uma agonia profunda, uma bolha de ar se contorcendo no miocárdio, um vazio físico e psicológico no peito. A única morfina funcional para patologias como essa é escrever, mesmo sem a inspiração, sem parar, num fluxo de consciência, sinapses disconexas no cérebro que percorrem todos os neurônios do cérebro e se juntam apenas na ponta dos dedos da mão direita, em forma de letras em ordem quase aleatória, formando idéias quebradas e incompletas. Vez por outra o fluxo trava e os potássios param de pular para fora e para dentro dos axônios, e o impulso fica entalado dentro das curvas e vales do cérebro. Milhões e milhões de idéias nunca escapam de dentro daquelas fendas - seria necessário limpar um cérebro com um cotonete para encontrar cada pensamento que nunca chegou à parte consciente. Existe uma corrida de impulsos elétricos: criados no Id, como espermatozóides expelidos de tubos seminíferos, tentam chegar ao cosnciente como os gametas masculinos correm ao óvulo, o prêmio final. Entretanto poucos sucedem. A válvula que separa a consciência limitada necessária para a sobrevivência biológica da inconsciência completa, que vislumbra toda a realidade natural, é uma válvula estreita e difícil de ser alargada. Alargá-la demais para sempre pode ser prejudicial: é a seqüela que desacelera e desestabiliza o instinto biológico de sobrevivência. Deixá-la muito estreita a vida inteira é igualmente prejudicial - é a alienação, a impossibilidade de ver além do óbvio e do evidente, a impossibilidade de intepretar a fundo fatos e pessoas e a natureza. Um equilíbrio é necessário. Como qualquer ser vivo, a válvula cerebral deve respirar. Alargar-se e estreitar-se a intervalos de tempo regulares ou irregulares. Estreitá-la quando for necessário concentrar-se, agir, pôr em prática o psicológico. Alargá-la nos backstages - nos intervalos entre um episódio e outro da vida, alargá-la para dar chance ao cérebro de respirar, liberar mais descargas elétricas, o momento para interpretar e estudar o ao-redor, os acontecimentos exógenos, a sociedade. O cérebro respira e se irriga de sangue, que traz oxigênio. Mas o oxigênio, enquanto se encarrega da respiração mais molecular, é limitado. Outras substâncias podem vir no sangue, que abrem a válvula, e se encarregam da respiração psicológica.

4 comentários:

Ludmila Magroski disse...

Me impressiono como tu consegue fazer esse tipo de coisa durante uma aula de QUÍMICA. Isso porque tu não gosta de química. Eu que até suporto sou incapaz de sentir algo além meu cérebro derrentendo.

P.S.: Acho que vou te deixar uma vaga na minha Academia Brasileira de Letras Particular :D (nós teremos bolachas @@)

Matteo Ciacchi disse...

mas eu consegui fazer isso justamente porque meu cérebro tava derretendo! Eu comecei a sentir uma agonia da porra com aquele assunto mizera, ai eu senti que tinha que escrever, mas não vinha inspiração, e decidi que ia escrever loucamente sem rumo, pra agonia passar. Foi terapêutico :)

Danilo de S'Acre disse...

Oi, Matteo. Teu blog é muito louco, doido, doido...!!!
Adorei. Você não lembra de mim, mas convivemos em Roma quando você era um bebezão. Fiz umas fotos bacanas tuas em preto e branco.
Abraços.

Matteo Ciacchi disse...

Danilo! Lembrar não lembro por impedimentos biológicos, mas sei muito bem de quem se trata: tenho inclusive essas fotos penduradas logo na entrada do meu quarto

bom te ver por aqui, valeu!